Diálogo de Justino Mártir com Trifão 92

A circuncisão na carne de nada serve

Se alguém não recebeu de Deus grande graça para entender os ditos e ações dos profetas, de nada lhe servirá repetir superficialmente suas expressões ou ações, se não sabe explicá-las. Ao contrário, não parecerão desprezíveis ao povo, se são repetidos por gente que não as entende?
Suponhamos que vos fosse proposta a seguinte questão: Por que, Henoc, Noé com seus filhos e outros semelhantes a eles, tendo sido gratos a Deus sem terem nascido na circuncisão e guardado os sábados teria Deus que exigir, depois de tantas gerações, que os homens se justifiquem através de outros dirigentes e de outra legislação, desde Abraão até Moisés por meio da circuncisão, e desde Moisés fora da circuncisão, por outras ordens, como os sábados, os sacrifícios, as cinzas e ofertas? A única resposta que tendes será demonstrar, como eu fiz antes, que Deus, por ser presciente, soube que o vosso povo um dia mereceria ser expulso de Jerusalém e que a ninguém seria permitido nela entrar.
E nem mesmo a Abraão Deus lhe deu testemunho de ser justo por causa da circuncisão, mas por causa da fé, porque, antes de ser circuncidado, assim foi dito sobre ele: “Abraão creu em Deus e lhe foi reputado como justiça”.
Também nós, portanto, que cremos em Deus, por meio de Cristo, no prepúcio da nossa carne, e possuímos uma circuncisão que é vantagem para aqueles que a possuem, isto é, a circuncisão do coração, esperamos aparecer justos e gratos a Deus, pois recebemos o seu testemunho por meio de seus profetas. Contudo, os mandamentos que recebestes de guardar o sábado e oferecer sacrifícios, e que o Senhor se dignaria dar o seu nome a um lugar particular, tudo isso era para evitar que, caindo na idolatria e esquecendo-vos de Deus, vos tornásseis sacrílegos e ímpios, como se pode ver que sempre o fostes.
Que essa seja a causa pela qual Deus vos deu os mandamentos sobre os sábados e sacrifícios, foi antes demonstrado por mim. Todavia, por causa dos que vieram hoje, quero repetir quase todas as razões. Com efeito, se assim não fosse, poderíamos acusar a Deus de não ter previsão e de não ensinar a todos a conhecer e praticar as mesmas normas de justiça, e a que muitas gerações de homens tiveram antes de Moisés. Então, não existiria a palavra que diz: “Deus é verdadeiro e justo, e todos os seus caminhos são retidão, e nele não injustiça.
Mas como essa palavra é verdadeira, Deus também quer que vós não sejais sempre insensatos e amantes de vós mesmos, mas que vos salveis unidos a Cristo, aquele que agradou a Deus e foi atestado, como eu disse antes, tomando as minhas provas das santas palavras proféticas.