Sabedoria 2

Raciocinando de forma errada, eles comentam entre si: “Nossa vida é curta e triste: quando chega o fim, não remédio, e não se conhece ninguém que tenha voltado do mundo dos mortos.
Nascemos por acaso, e depois seremos como se nunca tivéssemos existido. Nossa respiração é fumaça, e o pensamento é uma faísca produzida pelo pulsar do coração.
Quando a faísca se apaga, o corpo se transforma em cinza e o espírito se espalha como ar sem consistência.
Com o tempo, o nosso nome fica esquecido, e ninguém mais se lembra do que fizemos. Nossa vida passa como rastro de nuvem, e se dissipa como neblina expulsa pelos raios do sol e dissolvida pelo seu calor.
Nossa vida é uma sombra que passa, e depois de morrer não voltaremos. Colocado o lacre, ninguém mais poderá retornar.
Sendo assim, vamos gozar os bens presentes e usar as criaturas com ardor juvenil.
Vamos embriagar-nos com os melhores vinhos e perfumes, e não deixar que a flor da primavera escape de nós.
Vamos coroar-nos com botões de rosa, antes que murchem.
Que nenhum de nós fique fora de nossas orgias. Vamos deixar por toda parte sinais de nossa alegria, porque essa é a nossa sorte e o nosso destino.
Vamos oprimir o pobre inocente e não vamos poupar as viúvas, nem respeitar os cabelos brancos do ancião.
A nossa força será regra da justiça, porque o fraco é claramente coisa inútil.
Vamos armar ciladas para o justo, porque ele nos incomoda e se opõe às nossas ações. O justo reprova as transgressões que cometemos contra a Lei, e nos acusa de faltas contra a educação que recebemos.
Ele declara ter o conhecimento de Deus, e se diz filho do Senhor.
Ele se tornou uma condenação para os nossos pensamentos, e somente vê-lo é coisa insuportável.
Sua vida não se parece com a dos outros, e seus caminhos são todos diferentes.
Ele nos considera moeda falsa e se afasta de nossos caminhos para não se contaminar. Proclama feliz o destino dos justos e se gaba de ter Deus como pai.
Vejamos se é verdadeiro o que ele diz, e comprovemos o que lhe vai acontecer no fim.
Se o justo é filho de Deus, Deus cuidará dele e o livrará da mão dos seus adversários.
Vamos prová-lo com insultos e torturas, para verificar a sua serenidade e examinar a sua resistência.
Vamos condená-lo a sofrer morte vergonhosa, porque ele mesmo diz que não lhe faltará socorro”.
Eles pensam assim, porém estão enganados, porque a maldade deles os deixa cegos.
Não conhecem os segredos de Deus, não esperam o pagamento pela santidade, nem acreditam na recompensa das vidas puras.
Sim, Deus criou o homem para ser incorruptível e o fez à imagem da sua própria natureza.
Mas, pela inveja do diabo, entrou no mundo a morte, que é experimentada por aqueles que pertencem a ele.