Jó 20

Sofar de Naamat tomou a palavra e disse:
“Meus pensamentos me obrigam a responder, pois eu me sinto inquieto.
Acabo de ouvir uma lição insolente, e por isso minha razão me leva a replicar.
Você não sabe que desde sempre, desde quando o homem foi colocado sobre a terra,
*
Zofar menciona a antiguidade da humanidade, possivelmente aludindo à criação (gn2:7, gn3:19).
o triunfo dos injustos é passageiro e a alegria do perverso dura apenas um instante?
*
A ideia de que os ímpios têm alegria passageira é tema comum em Provérbios e Salmos (sl37:2, sl73:18-19).
Embora sua ambição se eleve até o céu e toque com sua cabeça as nuvens,
ele perecerá para sempre como esterco, e os que o viam, agora perguntam: ‘Onde está ele?’
*
A comparação do ímpio com 'esterco' reflete linguagem chocante da poesia hebraica, enfatizando a completa destruição - alguns veem contradição com a misericórdia divina, mas é hiperbole típica do gênero sapiencial.
Ele se desfaz como um sonho, e não o encontram; ele desaparece como visão noturna.
Os olhos que o viam, não o verão mais, e a sua morada não mais o reconhecerá.
Seus filhos terão que indenizar os pobres; suas próprias mãos devolverão suas riquezas.
*
A menção de filhos restituindo bens gera debate: Êxodo 20:5 fala em castigo geracional, enquanto Deuteronômio 24:16 nega isso. Interpretações variam entre responsabilidade coletiva e consequências sociais naturais.
Seus membros ainda cheios de juventude se deitarão com ele no pó.
O mal era doce na sua boca, e ele o escondia debaixo da língua;
ele o saboreava sem o engolir, segurando-o no céu da boca.
Pois bem! Esse alimento apodrecerá no seu ventre e se transformará em veneno de cobra.
Vomitará as riquezas que engoliu, porque Deus as arranca do ventre dele.
Sugará veneno de serpente, e as presas da víbora o matarão.
Nunca mais verá as fontes de óleo, nem os rios de leite e mel.
Terá que devolver, sem usar, os frutos do seu trabalho, e não desfrutará do que ganhou no comércio.
Porque explorou e desamparou os pobres, e roubou casas que não tinha construído.
*
A condenação à exploração de casas alheias ecoa denúncias proféticas contra a opressão social (am5:11).
Porque não soube acalmar sua cobiça, não salvará nenhum de seus tesouros.
Nada escapava de sua voracidade e, por isso, sua prosperidade não durará.
Da abundância cairá na miséria, e os golpes da desgraça cairão sobre ele.
Para lhe encher o ventre, Deus lhe enviará o incêndio de sua ira, e sobre ele fará chover suas flechas.
Caso escape das armas de ferro, uma flecha de bronze o atravessará;
*
Menção a 'arco de bronze' em contexto de armas de ferro pode ser anacronismo: o uso de ferro só se difundiu após 1200 a.C., enquanto a narrativa de Jó se passa na era patriarcal (Idade do Bronze).
a ponta da flecha sai brilhando de suas costas, depois de ter atravessado o fígado, enchendo-o de pavor.
Todas as trevas serão reservadas para ele, e um fogo não aceso por homens o devorará, consumindo tudo o que resta de sua tenda.
*
O fogo 'não assoprado' lembra juízos divinos repentinos, como em Jó 1:16. Arqueologia mostra que incêndios acidentais eram comuns em tendas do período.
O céu revelará a injustiça dele e contra ele a terra se erguerá.
Um dilúvio arrastará sua casa, como as cataratas no dia da ira de Deus.
Essa é a parte que Deus reserva para o injusto, essa é a herança que Deus lhe prepara”.
*
A doutrina da retribuição imediata aqui defendida por Zofar será contestada por Jó e questionada por Deus no final do livro, mostrando a complexidade do tema do sofrimento.